sábado, abril 20, 2013

A FACE DO TERROR - "O" Reality Show



É bem difícil ser jornalista. Principalmente quando perde-se o sobrenome. Os colegas que, como eu, não mais trabalham em organizações midiáticas gigantes, sabem o que quero dizer. Não seguir "in loco" o ritmo frenético das redações traz um sentimento de vazio, é como se a própria alma, sedenta por informação e isenta de "direções", tivesse de uma hora para outra, ficado órfã.
No entanto, muitas vezes, esta lacuna é preenchida com outras emoções. A liberdade é uma delas. São emoções que só quem está do "outro lado" pode explicar. O lado do telespectador. Daquele que assiste ao espetáculo que a grande mídia produz em nome da audiência. Ora um conto político mal contado, ora um desvio de verba mal explicado, ora um ato terrorista que ninguém sabe por que ocorreu ou uma perseguição policial sem fim. Há também aquelas produções cômicas que embrulham o estômago e as telenovelas sem conteúdo algum.
Desde a noite desta última quinta-feira que não se fala em outra coisa nos EUA: a longa perseguição aos suspeitos do atentado na maratona de Boston, que culminou com a morte do suspeito "número 1" e a captura do mais jovem, o "número 2".
Tão logo o rapaz foi "cercado" - escondido dentro de um barco de fundo de quintal - pela polícia local e o FBI, gritos de comemoração foram ouvidos por todas as partes na vizinhança: "U.S.A! - U.S.A! - U.S.A!" como numa vitória de guerra.
O presidente Obama se limitou a dizer que a determinação dos policiais é que encerrou um importante capítulo na recente movimentação na cidade e, que os culpados, falharam simplesmente por que "os americanos recusam-se a serem aterrorizados..."
O que ocorre por aqui, afinal? Estamos sob uma constante "ameaça terrorista"? É no mínimo irônico viver tudo isso de perto. Na semana em que Obama perde a guerra pelo "desarmamento" para os radicais domésticos, enfatiza-se a velha política orquestrada com o objetivo de sustentar investimentos em segurança, armamentos, e aparatos bélicos.
De repente, aquele presidente considerado por republicanos como um "frouxo no combate ao terrorismo", mostra que não é bem assim. Mas perdeu, Obama. Perdeu!
Há sim muita insegurança. Mas nenhuma é maior que aquela que aterroriza 870 milhões de pessoas que sofrem de desnutrição. Números de um recente relatório da ONU para a Agricultura e Alimentação. ("Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2012" -- dados entre 2010 e 2012)
Perdeu-se o foco no mundo. Sinto que nossa humanidade está confusa. Não sabe se se afunda no obscurantismo ou se caminha em direção a uma certa Luz, em busca de sarcásticas epifanias. Adoro esta sociedade. Alimento-me com o medo, o Pânico na TV, aquele CQC que se esconde também por trás da alienação. Adoro esta sociedade em que somos obrigados a ir para a cama com a certeza de que vivemos uma guerra que nunca venceremos.
Somos aqueles que não conhecemos a verdadeira "face do terror", por que ela não se esconde por trás de caretas assustadoras como a de Osama bin Laden, nem tão pouco está estampada na carinha angelical do checheno Dzhokhar Tsarnaev de 19 aninhos.
A guerra ao terror não deveria ser apenas aquela que envolve questões étnicas, religiosas, políticas ou linguísticas. Vivemos numa sociedade desigual. Comemoramos a captura de menores infratores e queremos julgá-los como adultos, libertamos verdadeiros "criminosos" contra os direitos humanos, que alvejam qualquer um que seja "diferente". Queremos dar siglas aos corruptos, mas pouco nos importa quem morreu de fome hoje.
Este sensacionalismo criado pela mídia é também autor de grandes catástrofes. Não vejo mídia alguma acompanhar com a mesma sede a dor daquelas famílias que vivem abaixo da linha da miséria. Algumas ONGs, como a "Facing the Future" apontam que 15 milhões de crianças inocentes morrem de fome todos os anos. É praticamente uma criança morta em menos de cada QUATRO segundos.
Onde está a mídia? Onde estão meus colegas? Onde estamos?
Talvez nossa sociedade global tenha sim perdido a noção de sua autoimagem, não há novas possibilidades de relações políticas inteligentes e equilibradas. Não há relações afetivas positivas. Proíbem o "diferente" de ser feliz. Não existe cobertura para aquelas experiências fortalecedoras, para que, talvez, a humanidade possa sentir-se mais capacitada a enfrentar os obstáculos da vida de forma positiva e criativa.
Não! Brindemos as diferenças separando-nos delas. O problema nunca é nosso. Como previu o George Orwell, continuamos na mesma: "a massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa."
-- Que maravilha! Brindemos ao sarcasmo!