quinta-feira, agosto 15, 2013

Sopa de letrinhas: decifra-me ou te devoro


Se existe algo capaz de transformar qualquer mente pensante num amontoado de dejetos é uma longa e interminável linha escrita com palavras complicadas e desconexas ou um extenso parágrafo com palavras incompreensíveis.

Leu até aqui? Maravilha. Nada que você possa ter evitado. Algo no cérebro aciona o piloto automático que motiva (ou não) a ler um texto, mesmo sem ter a menor noção do que uma determinada sentença pretenda dizer, até que alguém a explique para você. Muitas vezes, as pessoas sequer se dão ao trabalho de ler, independente do aprendizado que possam receber ao tomar a iniciativa e manter o foco na leitura. Para desviar nossa atenção, basta uma simples palavra fora do lugar ou que não converse com o nosso "eu".

Os "leitores" de Internet são os que menos perdoam qualquer "coisa" que lembre um bloco de palavras, textos emaranhados em ideias desconexas, independente do conteúdo, pois na rede, essas ideias não passam de letras que teriam mais a ver se impressas em papel, como numa dissertação adadêmica, revistas, jornais... livros.

Esse desprezo pelo "texto" é plenamente justificável. Se fizermos uma busca na rede, veremos o desprezo manifesto em discussões ou fóruns na rede refletidos através da "ausência absoluta" de curtidas ou comentários. Se uma pessoa se interessa por um ou outro assunto, ao passar do quinto parágrafo, tende a desistir rapidamente de continuar. Se o autor tiver a sorte de ganhar o leitor, terá visto que este demarcou o território com a simples anotação de siglas "TL:DR" (do inglês, "too long, didn't read") - Em tradução livre: "longo demais, tô fora!" - indicação de que o texto teria sido, no máximo, visto.

Chegou até aqui? Delícia! Para cada "amigo" que diz que leu seu texto, você provavelmente vai notar que há outros vários que não são ávidos leitores e passarão batido pelo seu conteúdo, por mais que te amem. Verdade que texto sem imagem, nunca interessou muita gente. Se a imagem faz um "amigo" morder a isca, sorte a sua. É possível, que tenha ganhado sua atenção. Mas nunca o culpe. Ler leva tempo e tempo é dinheiro. Este texto por exemplo, com pouco mais que mil palavras, deve consumir no máximo DEZ minutos de leitura (em média, uma pessoa lê entre 200 e 300 palavras por minuto).

Um leitor médio, consegue ler "A Ordem de Fênix", da série Harry Potter de JK Rowling, com mais de 250 mil palavras, numa sentada de 14 horas, ou, em em uma semana, reservando duas horas de leitura por dia. Isso por ser um livro de ficção. Obviamente, um livro mais denso, que desenvolve tópicos mais sérios e exige leitura crítica e compreensão de texto, levaria um pouco mais de tempo.

Nesta era de informação imediata, onde tudo é para ontem, é difícil encontrar alguém que não leia na diagonal, comendo palavras ou pessoas que não justifiquem com a "falta de tempo", ainda que seja para investir sua capacidade intelectual na leitura de um bom livro.

Quem quer ou alguém que curta ler, sempre encontra tempo; se não para um livro, para artigos, blogs, ou conteúdo em qualquer outra forma escrita. Criar o hábito ou a cultura de ler é um grande desafio num país onde as diferenças sociais ainda são gritantes. Felizmente, iniciativas de incentivo à leitura no Brasil tem se mostrado eficientes, mas ainda precisamos convencer amigos "adultos" de que ler pode ser bem mais divertido que a busca pelos mais recentes "memes" que pipocam no twitter ou pelos vídeos virais no YouTube, que também contribuem para uma alienação global.

Ainda lendo? Oba! No "face" de um amigo li uma frase pertinente: "Não existe falta de tempo. Existe falta de interesse. Porque quando a gente quer mesmo, a madrugada vira dia, a quarta vira sábado, e um momento vira oportunidade." O autor da frase é desconhecido. O "post" chamou a atenção por ter sido publicado em imagem, com letras brancas em fundo preto. Eis o meu desabafo: Ao contrário do que a geração de baby boomers pense, os mais jovens não estão ameaçados diretamente por vídeo games ou pelo computador. Artigos científicos mostram que a psicologia ainda está dividida quanto aos efeitos que a tecnologia causa sobre qualquer sujeito. Em minha opinião, a maior ameaça hoje são as fotos de gatinhos, de pés descalços, de comida.

Para ser mais exato (e sério), não há nada pior na rede que o grafismo com supostas "imagens engraçadas" ou "gracinhas", principalmente aquelas de gatinhos, celebridades, políticos e personagens consagrados, comidinhas. Imagens sempre acompanhados com frases manjadas em montagens aleatórias e legendas bizarras. São frases do "Félix, a bicha má", do “Chapolin Sincero”, de um “Willy Wonka Irônico”, até de alguma “Clarice Lispector Histérica”. Essa onda de fanpages de humor raso assola as redes sociais e, em meio a tanto besteirol, perdem-se diamantes nas linhas do "sagrado" tempo.

Não que sejam horríveis ou que não tenham algum humor, até gosto de gatos (presos numa jarra ou não), de culinária (gourmet ou feita em casa), de política (e dessa não falta o que falar), de paisagens. O problema está nas horas a fio gastas por algumas pessoas na busca destas imagens só para postar no Facebook e contribuir para a absoluta alienação da rede como um todo. Na falta do que discutir. Na ausência de interação. Do dizer alguma coisa.

Sem dúvida, o cérebro se satisfaz emocionalmente no mesmo instante em que vê o tal gatinho numa situação adorável e engraçadinha. Imagens hilárias e textos agrupados em "non-sense" absoluto. Outras vezes, artigos mascarados de sérios, mas de conteúdo discutível, sem confirmação de fonte ou veracidade, espalham-se como super bactérias. Neologismos e tirinhas memes na internet parecem contribuir ainda mais para que não se aprenda nada ou para o emburrecimento coletivo.

Não fosse o alto poder de contágio que esse tipo de "comunicação" possui, meu grau de tolerância seria maior. Fico indignado ao ver como amigos, supostamente imunes a este tipo de "prazer relativo" se deixa levar por tamanha banalidade virtual e até a vocalizar um KKKKKKKKKKKK como uma significante ferramenta de comunicação, sem a menor dosagem e bom-senso. Vale "curtir" até morte de entes queridos. Não se lê nem trágicos eventos pessoais. Curte-se tudo, ou nada.

Felizmente, depois de inúmeras postagens e repostagens de memes viciantes, chega uma hora que as pessoas se cansam e seguem adiante. Até que outro desarranjo intelectual domine sua capacidade de discernir e dá espaço à recaídas.

Neste ciclo, dificilmente o fulano vai se entregar aos trabalhos de literatura, seja de Machado de internautas que vivem no "looping" de publicar e repostar frases de efeito coladas em cartazes que ilustram o próximo personagem da cultura pop e que em nada vão contribuir para iluminar essa gente, muito menos a humanidade. Com tanto acesso a uma infinidade de informações na rede, torna-se quase impossível não se deixar influenciar pela "memeficação" da alma.

A esta altura, espero que não o tenha perdido para outra foto de gatinho, ou de algum outro post de paisagem. No fim das contas, prender a atenção do leitor é ônus de todo redator. Como jornalista, quanto mais tempo fico preso a um artigo, mais aprendo a abrir novas conversas e dialogar com conteúdo, ainda que em intermináveis embates filosóficos.

Escrever um bom "lead", aquele parágrafo que abre a matéria, é uma das tarefas mais difíceis do jornalista. Os demais fluem com mais naturalidade, já que costumam ser compostos por fatos e números e, assim, dão mais embasamento à narrativa. Não há dúvidas que está cada vez mais difícil para qualquer escritor segurar seus leitores diante deste universo, onde a atenção se distrai com risadas de curto prazo ao invés de compartilhar ideias ou abrir espaço para o longo aprendizado.

Meses atrás, emprestei um livro para um amigo que não lê muito. Pensei que o texto simples e escrito em estilo que flui com naturalidade e que segura a atenção das crianças por seus personagens dinâmicos e palavras que dispensam o "non-sense" o estimularia a ler mais. Não rolou.

O livro voltou para minhas mãos em poucos dias. "Muito complicado", disse ele. Muita palavras cumpridas. Parei. Pensei. Repensei. Voltei para a rede a procura de esperanças. Notei que os artigos de revistas que leio e divulgo no Facebook para que os amigos possam discutir seu conteúdo comigo, simplesmente nem ganharam curtidas. No dia seguinte, fotografei o poente visto de minha sacada. O post registrou um número dez vezes maior que a média diária de um post qualquer. O recorde de curtidas sempre fica por conta dos aniversários. Os "facers memeficados" saem da tumba uma vez por ano ao menos e os amigos fiéis não deixam passar batido o dia do "parabéns". Ufa!

A duras penas, concluo que é bem mais fácil comunicar emoções aos amigos através de imagens ou uma fotografia qualquer. No frigir dos ovos, seja uma linda foto da natureza, ou do belo pôr do sol visto da sacada de casa, ou um péssimo registro do momento em que a carinha do bebê é congelada em fúria, a imagem vale mais que mil palavras. É ô num é, e não é?

2 comentários:

Unknown disse...
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Sergio Cesario disse...
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